Brasil
IA, direito de propriedade e o rumo do "Capitalismo"
1. Entendo que, a partir do chatGPT, o Direito de Propriedade poderá ser alterado radicalmente e, por consequência, o que se costuma chamar de "Capitalismo".
2. Observem: sou um escritor humano. Depois de uma síntese na minha cabeça (cujas etapas de elaboração me vêm de um desconhecido inconsciente), eis que surgem palavras, ideias, questionamentos. Coloco tudo no papel sob uma forma inteligível, e chamo de meu. É o meu pensamento, digo, orgulhoso. Mas será mesmo que é meu? Quantos e quantos filósofos e juristas que tive que ler para ir absorvendo um pedaço aqui, outro ali, fazer uma conexão acolá. Posso até ter dado à luz ao meu texto, mas o quê chamo de meu e de criação é apenas um re-arranjo do já existente.
3. Ninguém cria nada do nada, por uma questão lógica, de metafísica e epistemológica. Beethoven, Mozart, Dalí, da Vinci, Homero, Shakespeare, Platão, Nietzsche...nenhum desses gênios criou algo do nada - apenas re-arranjaram o já existente. Atente-se aqui, caro observador: diz a lenda que, ao ser questionado, Newton disse que só chegou onde chegou por que estava sobre o ombro de gigantes. Já pensou se você tivesse que descobrir o "simples" teorema de Pitágoras "do zero"?
4. O ponto é: a arte e o conhecimento são feitos de re-arranjos de possibilidades (infinitas?), sendo frutos de uma obra coletiva de humanos, os quais, quando vistos unidos, chamamos de Humanidade.
5. Agora reflita: quem tem mais poder para fazer re-arranjos em um Cosmos geométrico? Humanos ou máquinas? Com qual facilidade um computador cruza possibilidades comparativamente a um humano?
6. Se um hardware (corpo) é programado (mente) para fazer re-arranjos a partir dos inputs (dados sensoriais) oriundos do ambiente, as sínteses feitas quando de um re-arranjo não são o mesmo do que aquilo que chamamos de uma obra? Computadores: os novos artistas e cientistas na evolução cósmica? Humanos, assim como outras espécies, são a base para outros seres?
7. Se da expressão "ser humano" e da expressão "ser robótico" deixarmos apenas a palavra "ser", então o quê definimos como um "ser"? Ser: aquilo que é capaz de alterar o ambiente, de re-arranjar? Vida: aquilo que é capaz de movimentar?
8. Movimentamos notas para compor músicas, movimentamos palavras para compor frases e textos, movimentamos as cores umas sobre as outras para produzir tonalidades, movimentamos temperos para produzir sabores...o que se chama de IA atualmente é capaz de fazer esses movimentos...
9. Claro que o ser humano vai abominar um ser capaz de maior força e raciocínio se não o puder dominar, como o fez com todas as outras espécies da Terra; e como o faz entre seus próprios exemplares. Pois bem. Aqui já podemos voltar à questão inicial dessa nossa meditação.
10. A IA, generativa, criadora, re-arranjadora, adjetive a partir daqui como quiser, é propriedade de um seleto grupo, cujo poder de controle está em um grupo ainda mais seleto. Algum louco já deve ter dito que a Arte e a Ciência são mais determinados pelo capital do que por talento. Talvez exista sanidade nessa reflexão.
11. Esse conjunto de observações aponta para uma sociedade em que, de um lado, alguns multi-bilionários possuirão o domínio da produção da Arte e da Ciência em nível global, enquanto, do outro lado, sobrará uma horda de consumidores com renda cada vez mais padronizada, sendo a distância entre os dois lados um abismo que só aumenta.
12. De modo prático: posso até escrever um livro em que expressamente proíbo uma/a IA de usá-lo para ser treinada, e posso até vendê-lo no futuro mercado exótico de livros puramente humanos e em papel, mas as ideias contidas no meu livro terão maior probabilidade de se extinguírem no curso do pensamento humano caso fiquem de fora da IA. Capisce? Estou falando aqui de evolução das ideias.
13. Algumas provocações: se o quadro da IA é mais belo para você do que o quadro feito por humano, se o diagnóstico médico da IA é mais preciso do que o do médico humano, se os carros com IA provocam menos acidentes, se o texto da IA é mais persuasivo do que o produzido por humano, então, por quê você vai querer as coisas feitas por humanos?
14. A produção de bens e serviços dependerá cada vez menos de humanos. Desde a Era pré-escrita até atualmente, a Humanidade, para gerar o quê gerou naquilo que denomina de civilização, precisou de bilhões de pessoas. A Humanidade dependerá de muitos exemplares, de bilhões, para continuar a evoluir enquanto espécie? Se, hipoteticamente, não nascesse mais crianças a partir de agora, em 100 anos não existiriam mais humanos?
15. Nessa experiência mental, em que cada vez menos humanos são necessários para o caminhar da espécie, o quê fará, do ponto de vista de utilidade para a Humanidade, uma pessoa cujas funções laborais são substituídas por máquinas?
16. Em uma sociedade pós-trabalho, viveremos para o prazer, a la Marquês de Sade? Ou seremos todos artistas? Mas que arte iremos produzir se o mais belo do belo aos olhos humanos será milimetricamente construído por IA? Até o momento, expressamo-nos pela arte e pelo trabalho. Psicanaliticamente, sublimamos a pulsão libidinal no trabalho, na arte e na religião. E a Religião? Nossa fé nas previsões (profecias) algorítimicas será inabalável?
17. Em um mundo com pouca escassez, e sem mais valia, qual o sentido do direito de propriedade? O direito de propriedade fará sentido apenas para separar os multi-bilionários do resto? O Capitalismo é um sistema de alocação de recursos feito por um pequeno grupo de humanos relativamente a maior parte da humanidade, sob um falso argumento de livre-concorrência quando, em verdade, o quê existem são oligopólios globais. O Capitalismo pressupõe desigualdade. Desigualdade é o estado natural das coisas. E é da competição natural que surge a cooperaçao entre os humanos (Smith), seres racionais e passionais.
18. Observe: vamos deixar de lado a pulsão libidinal (Freud), a sobrevivência e adaptabilidade (Darwin), e focar um pouco no que Nietzsche chamou de "vontade de poder".
19. Será que quando os Bens e Serviços, a Ciência, as Artes e a Religião forem produzidos por máquinas, todas as energias da Humanidade serão voltadas para o poder de habitar outros planetas? Voltadas para a dominação de outros seres não-terráqueos? Certamente, essas superações do humano relativamente a si mesmo apenas alimentam a nossa vontade de potência.
20. Certamente também, a vontade de potência ainda habitará a individualidade dos exemplares humanos no sentido de dominação de uns sobre os outros, do forte sobre o fraco. E mesmo que o problema econômico seja resolvido, o problema político continuará em aberto: quem manda?
21. No início, diremos que quem manda foram, são e serão muito poucos humanos. Mas e se os humanos deixarem de mandar? E se esse pequenino conjunto de humanos, de um futuro não tão distante, decidir que tudo deve ser comandado pelas máquinas?
22. Por fim, como escritor, peço licença para colocar palavras na boca dos mortos. Marx, um grande anatomista do Capitalismo, diria: "Humanos de todo o mundo, uni-vos!". Ao que Heráclito, Hegel e Darwin, respectivamente, poderiam replicar: "Tudo muda"; "na dialética da vida"; "inclusive as espécies dominantes".
* texto feito exclusivamente por humano
21 e 22 de agosto de 2023
Por:
Rafael De Conti* Curriculum Vitae. Rafael De Conti é filósofo, advogado e autodidata em computação, tendo se formado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2005), em Filosofia pela Universidade de São Paulo (2006), sendo Mestre em Ética e Filosofia Política pela USP (2010). Advoga na cidade de São Paulo há cerca de 15 anos, com prática jurídica multidisciplinar, atendendo clientes nacionais e estrangeiros. Possui ampla produção literária, principalmente nos campos da Filosofia e do Direito. É autodidata em informática e computação, com conhecimentos equivalentes ao de administradores de sistemas informáticos baseados em Linux.
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