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Brasil

 

Rafael De Conti



“O Estado Digital bom é o Estado Comunista?”

A: “Você só pode estar de sacanagem...acho que você ficou meio louco depois que leu aquele texto sobre o PIB dos EUA ser 21 trilhões para 329 milhões de pessoas enquanto o PIB da China é 14 trilhões para 1,4 bilhões de pessoas e o PIB do Brasil 1,4 trilhão para 211 milhões de pessoas…”

B: “Qual texto?…”

A: “Aquele em que também se diz que o Jeff Bezos da Amazon tem uma fortuna de mais de 100 bilhões, o que é maior que a soma do PIB de Uganda, da Bolívia e do Líbano...aquele texto que até cita o lucro líquido da empresa dona do Google na casa dos 40 bilhões em 2020, contra 34 em 2019...porra, você não lembra?...falou isso pra mim na semana passada inteira...”

B: “Ah...tá...sei qual texto...chama-se A picture of the World Economy…”

A: “Até que enfim...”

B: “Mas por quê eu estaria de sacanagem? Quando digo Estado Digital falo sobre todos esses serviços públicos que são prestados via online, e não mais presencialmente. Quando digo Estado Comunista falo no sentido de res publica, coisa de todos”

A: “Você fala, por exemplo, do software da Receita Federal, que apura seu Imposto, ser tipo o hospital público, a praça, o estádio de futebol da cidade?”

B: “Isso, o software ser um bem público, de todos”

A: “A troco de quê isso?”

B: “De ter transparência e controle sobre os programas que o Estado usa para processar nossos dados”

A: “Novamente essa paranóia dos dados?...observe: o hospital público é público, e você não tem como ir lá e auditar, olhar as áreas restritas para profissionais específicos, ver a papelada administrativa...é público, a coisa é de todos, mas…”

B: “Para...já temos a Lei da Transparência (LC 131/2009), a Lei de Acesso a Informações (Lei 12.527/2011), o próprio Habeas Data (Constituição/1988, Art. 5, LXXII) e a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018)…”

A: “Então...o Estado já é transparente...o cidadão pode requisitar seus dados, saber os gastos do Estado...tudo certo…”

B: “Não é bem assim...a própria lei citada fala em documentos secretos e ultrasecretos…”

A: “Você está se contradizendo...antes falou que o Estado era transparente quando eu disse que embora público não tínhamos acesso às coisas do hospital...e agora fala que tem coisa secreta sim…e ai? Vai escolher qual lado?”

B: “Cara pálida!...observe: existem tons de cinza entre o preto e o branco...todo Estado tem segredos...como fazer a guerra contra inimigos externos sem os segredos?...impossível...mas outra coisa é o modo como o Estado Digital se comporta relativamente ao seu próprio cidadão, de modo generalizado…”

A: “Desenvolva…”

B: “Os dados sempre foram um tesouro...muito antes da Internet...lá na Antiguidade...e em todo período da Humanidade, os dados subsidiaram decisões pessoais e de Estados...nosso pensamento depende de dados para poder ocorrer…”

A: “Hoje dizem que é o novo petróleo…”

B: “É mais...e a manipulação e processamento dos dados, sabidamente, interferem nas eleições políticas, nos hábitos e costumes, na psiquê de crianças, joves e adolescentes em primeiras formações...interfere praticamente em todas as atividades da vida de um cidadão…”

A: “Sim...você já disse: precisamos de dados para pensar...o Estado utiliza de dados para manejar os cidadãos…e?”

B: “Essa conversa já está se prolongando muito...estou com fome…para finalizar e ser sintético, vou dizer apenas que hoje, enquanto estudava uma Lei promulgada ano passado, percebi que poderíamos, embora quase impossível, alterar a forma desse Estado atual amarrado por grandes corporações de tecnologia, em um Estado cuja forma seja, em sua parte virtual, verdadeiramente uma res publica”

Nesse momento B pega a cadeira onde esta sentado e sobre ela sobe, discursando para uma platéia imaginária no Plenário do Congresso Nacional:

B:

“Considerando o estado da arte da Ciência da Computação, no que se refere à maturidade do uso de código-fonte aberto (open source), em vários tipos de softwares,
Considerando que o código-fonte aberto permite a auditabilidade do processamento e do uso dos dados dos cidadãos por eles mesmos (sociedades civil e militar),
Considerando que o interesse de um setor econômico não pode se sobrepor ao interesse público de se ter conhecimento acerca das engrenagens do Estado,
E, assim, para melhorar a transparência e a eficácia do Estado, imperioso que seja feita a seguinte alteração na Lei 14.063/2020, no que se refere ao licenciamento de softwares do Estado:

DE

‘CAPÍTULO V
DOS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO E DE COMUNICAÇÃO DOS ENTES PÚBLICOS
Art. 16. Os sistemas de informação e de comunicação desenvolvidos exclusivamente por órgãos e entidades da administração direta, autárquica e fundacional dos Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos dos entes federativos são regidos por licença de código aberto, permitida a sua utilização, cópia, alteração e distribuição sem restrições por todos os órgãos e entidades abrangidos por este artigo.
§ 1º O disposto no caput deste artigo aplica-se, inclusive, aos sistemas de informação e de comunicação em operação na data de entrada em vigor desta Lei.
§ 2º Não estão sujeitos ao disposto neste artigo:
I - os sistemas de informação e de comunicação cujo código-fonte possua restrição de acesso à informação, nos termos do Capítulo IV da Lei nº 12.527/2011;
II - os dados armazenados pelos sistemas de informação e de comunicação;
III - os componentes de propriedade de terceiros; e
IV - os contratos de desenvolvimento de sistemas de informação e de comunicação que tenham sido firmados com terceiros antes da data de entrada em vigor desta Lei e que contenham cláusula de propriedade intelectual divergente do disposto no caput deste artigo. ‘

PARA

‘CAPÍTULO V
DOS PROGRAMAS DE COMPUTADOR E DOS SISTEMAS USADOS PELOS ENTES PÚBLICOS
Art. 16. Os programas de computador (software) e os sistemas de informação e de comunicação usados por órgãos e entidades da administração direta, autárquica e fundacional dos Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos dos entes federativos serão regidos por licença de código aberto, permitida a sua utilização, cópia, alteração e distribuição sem restrições por todos os órgãos e entidades do Estado.
§ 1º O disposto no caput deste artigo passará a ter eficácia de lei a partir de 5 (cinco) anos de sua publicação, de modo que sejam desenvolvidos todos os novos softwares que serão usados pelo Estado.
§ 2º Para o desenvolvimento dos softwares e sistemas serão observados os seguintes critérios: pagamento, ad exito, para desenvolvedores de softwares, com remuneração mínima duas vezes superior à remuneração média das remunerações pagas no Brasil pelas maiores 10 empresas de software/ICT atuantes na jurisdição brasileira.
§ 3º Não estão sujeitos ao disposto neste artigo os dados armazenados pelos softwares e sistemas de informação e de comunicação’”

A: “Terminou?...Acho que você está viajando...desce dessa cadeira que não é palanque...e só tem a gente aqui seu doido…”

B: “Pô...não faz sentido?...nem precisa mais de interrogação: o Estado Digital bom é o Estado Comunista”

A: “Talvez você esteja confundindo Comunismo com Republicanismo…”

B: “Mas ‘res publica’ não significa ‘coisa de todos’ em latim?”

A: “Para finalizar, só vou te dizer uma coisa: a lei é pública, está ai para todo mundo ler...mas a lei sempre foi um instrumento do poder...esse negócio de programa de computador não difere muito disso...está a serviço do capital...podem até implementar esse tal de open source do jeito que você disse (seus argumentos até parecem bem racionais)...mas no final, no final tudo acabará se estruturando em torno do capital…o ser humano sempre teve tecnologias incríveis, mas sempre acabou as utilizando para dominar e guerrear...Sic mundus creatus est, Assim o mundo foi criado”

14 de julho de 2021


Por:

Rafael De Conti

Rafael De Conti, advogado e filósofo

 

 

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